sexta-feira, 22 de maio de 2015

Era uma vez...uma nuvem de andorinhas!

Naquele tempo antigo, as pessoas trabalhavam com suas próprias mãos, fazendo tudo que precisavam e era bonito ver como elas sabiam construir uma casa, fazer uma espada ou um barco para si mesmas... 
As noites eram longas , silenciosas e escuras. E os dias iluminados e cheios de muito trabalho! Eram tão pouquinhos os homens que sabiam ler e escrever, no entanto...
Quem não sabia mesmo nadinha, tinha que depender dos outros, das explicações que alguém daria principalmente para estudar  os ensinamentos sobre Deus e suas leis.
Mas parece que as coisas estavam mudando! Havia um homem, circulando no meio do povo que falava sobre isto tudo com muita simplicidade e pra todo mundo entender. Ele explicava com paciência as leis de Deus e falava com tanto carinho! E quem ouvia atento, o coração bem aberto, tinha uma certeza tão forte, tão grande de que ele dizia a verdade!
Ah, esta certeza! Tudo mundo quer ter... Mas é uma coisa muito difícil de se conseguir, como vou explicar pra vocês? Talvez com uma história, uma bonita história da natureza... A natureza é cheia de mistérios, de coisas escritas nas entrelinhas... De vez em quando, é bom a gente ler o que está escrito nas páginas do mundo pra ver se a gente entende melhor, o que ele quer de nós...O que ele quer nos ensinar... Foi assim mesmo que, naquele sábado, a contadora de histórias na Biblioteca Pública Municipal anunciou que iria contar uma história nova...

Que história seria esta?

Um dia , - disse a contadora de histórias...Eu estava em um carro. O motorista me levava para algum lugar que não me lembro bem onde era. Mas eu me lembro, sim, de que ele começou a comentar muito admirado:
- Sabe, dona, eu acho uma maravilha estes passarinhos do peitinho branco com uma capinha preta por cima. Eu fico encantado de ver o jeito deles...
E eu logo concordei:
- Eu também! São andorinhas, são as andorinhas que alegram a primavera ...
-E a senhora já viu como são muitas? Fazem umas revoadas bonitas...
-É...eu tenho o costume de ficar olhando pra elas... Têm uma maneira interessante de voar... Fazem piruetas no céu, reviravoltas, umas manobras complicadas!
O motorista ria. E se encantava. Ele também tinha reparado isto tudo e era bom ver que alguém como ele, ficava apreciando o vôo das andorinhas. Então , eu tentei ilustrar um pouquinho a conversa:
-Elas fazem uma grande algazarra, todo dia, às seis horas da tarde. Dizem, que são aves de Maria, são os passarinhos que voam para louvar a Mãe amorosa de todos os homens...
Houve um momento de silêncio na conversa e de repente, o homem me confessou:
-Sabe, dona, eu nunca tive coragem de perguntar isto pra ninguém, mas eu tinha uma vontade de saber como é que elas conseguem se esconder tanto tempo durante o ano e depois aparecer novamente, de repente, sem explicação, como se estivessem saindo de um buraco na terra...
-Gente, eu fiquei assombrada com aquela pergunta. - falou a contadora de histórias para as crianças. Ele estava pensando que as andorinhas morrem todas e depois ressurgem por algum meio misterioso e começam novamente a povoar o céu!...Mas quando ele me confessou isto, tínhamos chegado ao nosso destino e eu estava com muita, muita pressa, não tive como esclarecer aquilo...

Quem já sabe? Quem já viu?  O que acontece com as andorinhas...

A vida é engraçada, ela é cheia de acontecimentos que parecem bobos, às vezes, até, sem sentido. Mas, eles sempre têm algo importante, escondido no fundo, algo que a gente pode observar, pensar bem e tirar uma boa conclusão. Ou então, guardar, porque lá na frente, vai servir pra alguma coisa! Muitos anos atrás, numa tarde, ou melhor num final de tarde, falou a contadora de histórias para os meninos na biblioteca, eu estava num lugar muito alto, olhando o pôr-do-sol, quando vi uma coisa extraordinária!     Naquela faixa avermelhada  de luz, onde o poente fica bem bonito, mesmo distante do lugar exato em que o sol se põe, eu vi... Vi uma verdadeira nuvem de andorinhas, uma revoada enorme, tão grande como se todas as andorinhas da cidade estivessem ali reunidas, voando juntas, tão certinhas, tão juntinhas que perdi o fôlego! Era muito lindo! Elas estavam indo embora, gente. Elas estavam partindo todas, de uma só vez, simplesmente porque o inverno estava começando e elas iam em busca de outro verão, bem longe, lá no hemisfério norte. Imaginem vocês... Mas não me olhem com esta cara. As andorinhas chegam onde querem, sim, sozinhas! Chegam mesmo! É que, segundo a ciência descobriu hoje em dia, os passarinhos que voam assim pra longe, com endereço certo de chegada, têm uma espécie de luz interna que os guia, de forma que encontram o seu destino sempre.                                                                                                                                     Todos os meninos olharam para a contadora de histórias. Nos olhos deles havia andorinhas voando e nos lábios, uma pergunta que nem chegou a ser feita, a contadora de histórias adivinhou:                                   --Vocês querem saber porque estou falando tanto de andorinhas? É porque hoje, vou contar um acontecimento incrível pra vocês... 

Que acontecimento seria este? 

Lembram-se daquele lindo menino que ajudava o seu pai na carpintaria e sua mamãe com muito amor? Então, ele cresceu, mas o seu espírito continuou puro e bom, e suas histórias eram sempre tão lindas que o povo todo não queria se afastar dele de jeito nenhum. Parece que eles tinham uma grande sede de pureza e de beleza, ah! eles tinham sim!...
Seus amigos,entretanto, não podiam controlar muito bem aquela multidão... Naquele dia, depois que contara muitas histórias, lá em cima da montanha, ele desceu até a beira de um lago e pediu para os seus amigos, ainda um pouco assustados, que fossem para a outra margem , de barco. Enquanto isso, ele faria com que as pessoas partissem para suas casas, calmamente. E assim foi, todos foram embora e os seus amigos, que eram pescadores, ficaram no meio do lago, de noite, enquanto ele rezava, buscando o conforto do céu. Acontece que veio uma grande tempestade, e o barco começou a balançar muito, muito, porque havia um vento fortíssimo que soprava no sentido contrário ao que os amigos do menino queriam...Eram já três horas da madrugada, quando, de repente, no meio da grande tempestade, eles viram um vulto sobre as águas. É um fantasma, gritou um deles, assustadíssimo! É um fantasma, sim!  Mas o vulto, quando estava um pouco mais perto, gritou e pediu que eles não tivessem medo, Sou eu, ele disse. E todos viram que ele vinha, assim mesmo, caminhando sobre as ondas como se estivesse em terra firme! Um deles que se chamava Pedro e era um bom homem, sentiu uma força estranha dentro dele e exclamou: 
-Se és tu, senhor, ordena que eu consiga ir até onde estás...E o menino disse para Pedro:
-Vem!  E Pedro foi. Pedro saltou do barco e caminhou sobre as águas... Mas, por um momento, ele se distraiu, e prestou atenção na força do vento. E pensou, no fundo , que a força do vento podia ser maior que a força que o levava sobre as águas. E assim pensando, ele afundou e já ia sendo tragado pelas ondas, quando pediu novamente ao seu amigo:
- Salva-me! E o amigo bondoso, apenas estendeu a mão e o levou até o barco, dizendo :
- Por que duvidastes, amigo de pouca fé?
Um grande suspiro cortou o silêncio que pairava no ar da Biblioteca. Acendiam-se nos olhos das crianças mil possíveis perguntas. No coração de todos havia algo para questionar...

O que pensaram os garotos na biblioteca sobre esta incrível história de alguém assim, caminhando sobre as águas?

A contadora de histórias também suspirou. Ela não tinha respostas prontas para todas as perguntas! Não tinha como provar para as crianças que o moço, que ela amava tanto, era capaz de fazer estas coisas, e as fazia de verdade. Mas, mesmo assim, ela criou coragem e abriu um espaço pra todo mundo falar. Para seu espanto, no entanto, todos ficaram mudos, apenas um menino, mais corajoso, perguntou à queima-roupa, de um tranco só e sem dó, como costumam fazer as crianças com os adultos:
-Ele era um super-homem, um super-herói como os da televisão?
Alguns riram, outros ficaram sérios. Que pergunta mais difícil de responder!
E no rastro desta pergunta, de repente, vieram muitas outras, porque todos criaram coragem e começaram a indagar... Como que ele conseguiu fazer isso? Porque que o Pedro caiu dentro d'água? E porque que ele não mandou o vento embora? E por que...A contadora de histórias tentou organizar a confusão armada pelos meninos.
-Calma! -ela disse. Um de cada vez!... Nós agora, vamos pensar um pouquinho em todas as respostas. Todo mundo aqui vai tentar achar uma explicação, vamos nos ajudar e entender juntos, tudo o que queremos compreender,está bem ?
E então, o silêncio que a contadora de histórias pediu, aconteceu. Ficaram todos bem quietinhos pensando, até que o menino que fez a primeira pergunta achou a primeira resposta:
-Eu acho que eu sei quem ele era, não precisa ninguém me falar...e eu acho que eu entendi porque você contou aquela história das andorinhas...
A contadora de histórias,sorriu, e disse apenas: 
 - Cada um de nós tem dentro de si, uma luz que nos mostra onde está a verdade, o que devemos fazer e como fazer tudo muito bem feito...  O importante é que vocês  não se esqueçam de que ele sempre está vindo em nossa direção, pronto pra nos estender a mão quando desviarmos a nossa atenção dele e nos sentirmos afundar no meio de um mar de dificuldades...E sabem de uma coisa? Podemos até não encontrar respostas para muitas perguntas nossas, mas a sua mão estendida sempre vai estar presente na vida da gente... Os meninos entreolharam- se, que bom que estavam ali juntos, como andorinhas na tarde, partindo para a longa jornada da vida, em busca da primavera, com aquela certeza no coração: ele estaria sempre presente!




Lucas 8, 22-25
Mateus 8, 23-25
Marcos 4, 35-41


Araxá, 29 de abril, 2001.
(Esse texto foi lido na Rádio Antena, num programa de Contação de Histórias sobre Jesus, para crianças, aos sábados, mas, não era raro, estarmos na Biblioteca Pública também, a convite da Maria Clara Fonseca).

Para Fernanda Oliveira, que viu as andorinhas no Face e se lembrou disso... E para a turma toda da Oficina de Teatro, com muito carinho e saudade!!!
Rita De Blasiis
Uberaba, 22 de maio de 2015.