domingo, 28 de março de 2010

CARTA ABERTA PELO FIT - BH 2010

Embora residindo em outras cidades, fui a Belo Horizonte para assistir a alguns Festivais Internacionais de Teatro e participei, também, de vários Encontros Mundiais de Artes Cênicas. Registro, portanto, com consciência da dimensão e do valor deste trabalho, que já conta dezesseis anos de existência, o meu apoio ao movimento dos artistas da cidade e de todo o Brasil, em favor da realização do FIT – BH em 2010.



A decisão governamental de suspender o FIT deste ano extrapola a instância municipal e fere o contexto artístico nacional, - o trabalho é realizado na cidade, mas, é para o país!



Belo Horizonte solapa o edifício que constrói quando não honra as devidas normas de edificação. A tarde cair como um viaduto só é interessante na canção, na vida real, isso é pura insegurança, desrespeito ao trabalho do artista e à própria arte. Então, pode ser assim, o Festival se realiza quando a Prefeitura -via Fundação Municipal de Cultura - “quiser”, porque pode "decidir" fazer ou não fazer? Na França isto funcionou, mas antes da Revolução de 1789... Le Etat ce moi! não cabe nesta circunstância regida por uma Lei Municipal, a Lei nº 9517, de 31 de janeiro de 2008.

A tradição, todos nós sabemos, tem sua força na manutenção de sua própria identidade e função e, por outro lado, na transformação desta mesma identidade, com o passar do tempo, ao redirecionarem-se seus objetivos, processos e resultados. A cultura se constitui assim, mas, com uma exigência de sabedoria: quando modificar e quando preservar? Nunca modificar em detrimento da cultura, esse é um parâmetro inalienável! A cultura é que nos faz humanos, é a marca maior dessa humanidade; sempre que a violamos, essa violência redunda em conseqüências indesejáveis.



Sobretudo, é preciso reconhecer que o artista, o grupo de teatro, o técnico em cenotecnia, sobrevive de seu próprio trabalho como qualquer profissional. Não é possível ser profissional com preparo técnico adequado e repertório, se, em tempo integral, esse profissional não se dedicar constantemente ao seu próprio preparo e trabalho, retirando dele, permanentemente também, o seu sustento. O desrespeito mediante a não realização do FIT – BH 2010, portanto, é dirigido a uma classe profissional que precisa de estabilidade, precisa sobreviver no mercado de trabalho como outra classe profissional qualquer.



Tive a felicidade de residir em Belo Horizonte durante 22 anos. Mudei para esta cidade encantadora em 1970, portanto, durante este período me foi possível acompanhar o singular movimento cultural que deu rumos à vida cultural de Belo Horizonte. Todo o excepcional trabalho realizado pela classe artística local e pelas políticas públicas definidas a partir de mobilizações desta mesma classe ou de iniciativas governamentais, definiu sua identidade até que a capital de Minas se consolidou como um dos mais importantes centros de produção artística e cultural do país. Não é necessário citar nomes de pessoas ou de grupos, de instituições ou de movimentos artísticos e culturais para referendar a relevância cultural de Belo Horizonte no cenário nacional e mundial. Ela é patente e merece, sim, o devido respeito!



A articulação local e de todos que trabalham com arte e cultura no país, -em favor do FIT-, precisa prosseguir em nome, sobretudo, do dever que temos de lutar pelas leis que ajudamos a construir. Sempre que a lei não é cumprida e a sociedade se omite, retrocedemos na história. O princípio da “decisão pessoal” em detrimento da justiça, fez D. Maria I crer que tinha o direito de mandar matar Tiradentes. Minas Gerais e sua destinação histórica!...



O compromisso de Minas diante do Brasil é de honrar a bandeira que levanta muito alto, sobre as Alterosas: não há Liberdade sem respeito ao cidadão, sem respeito à Lei. Belo Horizonte não é um fundo de quintal, é o lugar onde a história deve explicitar com que seriedade tudo isso deve ser tratado. A dignidade da cultura, o valor da arte e o desenvolvimento artístico-cultural da cidade, carreando consigo o contexto do país, estão expostos na vitrine do mundo. Todos esperam que o governo municipal tenha maior sensibilidade e reconsidere sua posição, até mesmo porque, também, não lhe convém esse papel e suas conseqüências.



Que se unam todos, pois, numa atitude de diálogo e consenso, avaliando melhor as posições e honrando tudo aquilo que por direito e tradição deve ser respeitado , sobretudo, em Minas Gerais, Minas Gerais, a inolvidável terra de Tiradentes: Libertas quae sera tamem, Liberdade ainda que tardia, mas nunca, por opção, tardia!...



Rita De Blasiis

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